Por Elisa Oswaldo Cruz Marinho e
publicada na Revista Em Formação – Volume 4, 2012
O sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) no Rio de Janeiro, sempre se interessou por temas relacionados ao desenvolvimento político brasileiro, em uma perspectiva histórica e comparada. Posteriormente, passou a se dedicar aos aspectos sociais e políticos da produção do conhecimento na ciência, tecnologia e na educação, assim como pelas questões de pobreza e política social.
Solicitado pela Academia Brasileira de Ciências, Schwartzman desenvolveu pesquisa com a especialista em estudos populacionais e professora de História Micheline Christophe, também do IETS, sobre as atividades de educação em ciências no Brasil, situando-as no contexto da literatura internacional a respeito do tema e no contexto da educação brasileira.
Este trabalho, apresentado no Planetário da Cidade do Rio de Janeiro durante o V Seminário ABC na Educação Científica Mão na Massa, em outubro de 2009, esclarece inicialmente alguns conceitos básicos relativos ao tema, cita experiências anteriores e refere-se a programas atuais na área, comparando métodos e propondo alternativas.
O que é “educação em Ciências”
Segundo Schwartzman, o conceito de educação em Ciências remete a diferentes sentidos. Abrange a difusão de conhecimentos gerais sobre ciência e tecnologia, a motivação do interesse pela ciência, o desenvolvimento de “atitudes científicas” na observação dos fatos e no raciocínio, em contraposição ao sentido comum.
No ensino fundamental, o objetivo da educação científica é despertar o interesse pela observação da natureza e pela experimentação, além de transmitir alguns conhecimentos e conteúdos básicos iniciais. “Ao longo do ensino médio, o foco deve estar no desenvolvimento da motivação e conhecimentos específicos sobre diferentes disciplinas científicas”, afirma o pesquisador.
A educação em ciência também engloba, no nível universitário, o desenvolvimento de competências e conhecimentos específicos que capacitem o indivíduo para o uso de conhecimentos e informações científicas na vida pessoal e profissional. Schwartzman ressalta que “o entendimento e o trabalho como pesquisador, o desenvolvimento de atitudes críticas e reflexivas sobre ciência e tecnologia na sociedade e na economia, assim como a formação de pesquisadores profissionais também faz parte dos objetivos nesse nível de ensino.”
O que é “alfabetização científica”
Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento econômico (OECD, na sigla em inglês), alfabetização científica é a capacidade de usar conhecimento científico, de identificar questões e extrair consequências a partir de evidências, para que o cidadão possa compreender e tomar decisões a respeito do mundo natural e das mudanças nele introduzidas pela atividade humana.
“A ideia é que, ao se tornar cientificamente alfabetizado, o estudante supere o medo que possa ter da ciência. A pessoa cientificamente alfabetizada é capaz de entender experimentos e acompanhar os raciocínios. Ela se sente minimamente confortável com os fatos científicos e seu sentido”, afirma o pesquisador.
Para Schwartzman, uma pessoa cientificamente alfabetizada deve entender como os dados se relacionam com as leis e as teorias, que a teoria é a forma mais elevada de expressão científica e as razões por trás de fenômenos do dia a dia, como as estações do ano, o ciclo das águas e os perigos da pseudo-ciência.
Componentes da alfabetização científica
Esse processo tem certas características próprias, segundo o pesquisador. Um deles é o desenvolvimento no aluno de uma atitude científica, que seria a capacidade de observar os dados do mundo natural e fazer inferências a partir destas observações, superando desta forma os conceitos ou pré-conceitos “naturais” ou pré-científicos que possam ter.
O trabalho em grupo também caracteriza a alfabetização científica, considerando que ela trata de um diálogo constante entre as pessoas e destas com os dados e observações do mundo real. “Espera-se de uma pessoa alfabetizada cientificamente o entendimento dos conteúdos específicos das diferentes disciplinas científicas, tal como são formulados pelas ciências modernas, assim como o entendimento da ciência e da tecnologia como fenômeno social, que tem impacto importante – positivo ou negativo - na sociedade e na vida das pessoas”, explica o pesquisador.
Experiências anteriores e o ensino de ciências atual no Brasil
Schwartzman relembra uma experiência bem sucedida dos anos 50 conduzida pela extinta Fundação Nacional para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec): o desenvolvimento de kits para o ensino de ciências* no ensino médio. “Eram materiais simples para trabalho experimental com os alunos, mas com envolvimento de pesquisadores na produção dos materiais e na elaboração de textos de ensino”. Além dos kits, o pesquisador destaca também experiências de cooperação internacional com a National Science Foundation, por exemplo, e com outras entidades internacionais.
Hoje, a área de ensino de Ciências e Matemática da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes / MEC) tem 21 mestrados acadêmicos, 16 mestrados profissionais e oito doutorados, distribuídos em 33 programas de formação de professores. O país conta com mais de uma centena de centros e museus de ciência, muitos deles com projetos ativos de educação científica para professores, estudantes e o público em geral.
O Programa ABC na Educação Científica – Mão na Massa da Academia Brasileira de Ciências, destacado por Schwartzman, envolve diversas instituições como a Estação Ciência da USP, o Centro de Difusão Científica e Cultural (CDCC) da USP de São Carlos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro e o Centro de Referência do Professor (CRP/UFV) em Viçosa, Minas Gerais.
O pesquisador cita também o Espaço Ciência em Pernambuco; os Centros de Educação Científica Escola Alfredo J.Monteverde em Natal e Macaíba, no Rio Grande do Norte; o Instituto Sangari, que atua em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília; o Programa de Educação e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica/UFRJ; e o Programa de Educação Integrada da Fundação Romi, em Santa Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo.
A situação da educação em ciências no Brasil
Embora estejamos vivenciando um aumento progressivo da formação de doutores e da produção científica brasileira, a concentração dessa produção científica ainda ocorre em um pequeno número de universidades e centros. Essa situação se reflete nos níveis extremamente baixos de educação em ciências da população em geral. Os resultados Brasil no Programme for International Student Assessment (PISA) da OECD em Ciências são muito baixos. “Grande parte dos alunos brasileiros estão abaixo do nível 1 no PISA e praticamente ninguém está no nível mais alto”, observa Schwartzman. Uma pesquisa de percepção pública da Ciência realizada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) em 2006 mostrou, entre outras coisas, que os brasileiros apreciam e se interessam pela ciência, mas não a entendem.
As alternativas metodológicas
Segundo Schwartzman, hoje no Brasil se trabalha fundamentalmente em duas linhas: a educação formal nos métodos e conteúdos das ciências estabelecidas e o método construtivista de indagação. No ensino tradicional os métodos são estruturados, os conteúdos são pré-definidos em livros e manuais, os professores dão aulas expositivas e o trabalho é basicamente individual. Os alunos aprendem acompanhando as aulas, fazendo exercícios e apresentando os conhecimentos adquiridos. No construtivismo, os estudantes fazem as perguntas e buscam as respostas, trabalham em grupo, não utilizam livros, manuais ou apostilas e o professor atua como facilitador.
Para o cientista social, há vantagens e desvantagens nos dois métodos. “O construtivismo gera alta motivação e participação de alunos e professores. Mas na prática, os conteúdos são previstos e estruturados através da escolha dos kits de experimentação e dos módulos didáticos preparados pelos professores. Existe uma valorização da criatividade e participação, mas não do estudo sistemático e incorporação do corpo de conhecimentos e práticas das disciplinas o que faz com que haja pouca ou nenhuma cumulatividade”, avalia. Na educação formal, com métodos e conteúdos das ciências estabelecidas, “há o risco de desinteresse e desmotivação dos alunos, de aprendizagem repetitiva e por memorização, havendo pouco espaço para iniciativa, criatividade e participação”, aponta Schwartzman.
O pesquisador considera que as melhores práticas são as que combinam o trabalho indagativo, experimental e de grupo, “pelo que ele traz de estímulo e motivação, sobretudo nas etapas iniciais”. Essas práticas identificam com clareza os conteúdos que os estudantes devem aprender em cada etapa e idade, trabalhando com a acumulação de conhecimentos. Além disso, trabalham sistematicamente com a abstração, passando das experiências concretas aos conceitos teóricos e abstratos das disciplinas. Schwartzman destaca que considera boas práticas “as que procuram também desenvolver e aprofundar as questões conceituais e éticas da Ciência, na medida em que elas forem sendo colocadas e entendidas.”
Um salto de qualidade para avançar
Schwartzman evidencia que para levar adiante programas de educação em Ciências alguns requisitos básicos são fundamentais. “Os professores da educação básica precisam dominar os conhecimentos científicos que devem ensinar, os alunos devem ter um nível adequado de conhecimento em escrita, leitura e matemática para poder acompanhar as aulas de ciência e os programas requerem estabilidade, com uma integração às atividades centrais e prioritárias das Secretarias de Educação.
O pesquisador destaca os problemas dos programas de educação em Ciências analisados. “Todos ocorrem em pequena escala e dependem da liderança e da iniciativa individual de poucas pessoas, o que os torna frágeis”. Observa o baixo nível de institucionalização, com equipes pequenas sem autonomia administrativa e financeira, sendo que os recursos dependem de convênios que muitas vezes se interrompem. “Isso gera uma incapacidade de avaliar os resultados em termos do desempenho efetivo dos alunos beneficiados, por falta de tempo e de recursos, assim como uma incapacidade de acompanhar a atuação e os resultados dos professores capacitados”, avalia Schwartzman.
Em seu ponto de vista, o salto requerido envolve passar das situações experimentais à educação em Ciências em grande escala, trabalhar pela elaboração de um currículo nacional de educação em Ciências e influenciar diretamente a formação de professores para a educação básica inicial, através dos cursos de Pedagogia nas universidades. “Precisamos integrar os programas de educação em Ciências aos programas e cursos da área de ensino em Matemática e Ciências da Capes.”
Schwartzman defende a integração do melhor de cada método: combinar o uso inicial de métodos indagativos com materiais estruturados de boa qualidade, para garantir a cumulatividade e aprofundamento dos programas. “Também é fundamental dar continuidade e expandir as iniciativas locais e individuais, assim como ampliar a formação de pesquisadores em educação em Ciências no Brasil”, conclui o cientista.
Quem é Simon Schwartzman
Nascido em Belo Horizonte, no estado brasileiro de Minas Gerais, Simon Schwartzman estudou Sociologia, Ciência Política e Administração Pública na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), formando-se em 1961. Cursou mestrado em Sociologia na Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), em Santiago do Chile, e obteve o Ph.D. em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, no ano de 1973.
Vive no Rio de Janeiro desde então, tendo trabalhado como professor e pesquisador na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e, até 1988, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e da UFMG. No exterior, foi pesquisador visitante de diversas universidades nos Estados Unidos, na França, Suécia e Inglaterra.
Schwartzman participou, em 1985, da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior Brasileira, da qual foi relator. Em 1993/94 dirigiu uma equipe de trabalho encarregada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e pelo Banco Mundial de elaborar um documento sobre a política brasileira de ciência e tecnologia. As conclusões deste trabalho foram publicadas em três volumes pela editora da Fundação Getúlio Vargas. Mais recentemente, coordenou um estudo do Escritório da Unesco na América Latina (OREALC) sobre o futuro da educação na América Latina e no Caribe.
Foi, por muitos anos, editor de Dados – Revista de Ciências Sociais, é membro do Conselho Editorial dos Anais da Academia Brasileira de Ciências e de várias revistas científicas no Brasil e no exterior. Foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) da Sociedade Brasileira de Sociologia, do Comitê de Pesquisa em Sociologia da Ciência da International Sociological Association e diretor para o Brasil do American Institutes for Research. É Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na área de Ciências Sociais e, em 1996, recebeu a Grã Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico do governo brasileiro.
Elisa Oswaldo Cruz Marinho é mestre e doutoranda em Educação,Gestão e Difusão de Biociências pelo Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEGeD/IBqM/UFRJ). Especialista em Divulgação Científica pelo Laboratório de Jornalismo Científico da Universidade de Campinas (Labjor/Unicamp, 2007-2008). Tem interesse de pesquisa no estímulo aos jovens para as carreiras em ciência, no papel das Academias de Ciências do mundo em desenvolvimento nesse sentido e em estudar exemplos de países com grande crescimento recente em educação, ciência, tecnologia e inovação.Chefe da assessoria de Comunicação Social da Academia Brasileira de Ciências (ABC) desde 2006, criou e desenvolveu na ABC o site ProfiCiência (www.proficiencia.org.br), com o apoio da Faperj (Editais de Popularização de Ciência, 2008 e 2010). Trabalhou com informação profissional na UniverCidade (2004-2006) e na Universidade Estácio de Sá (2002-2003). Gerenciou a elaboração do Oriente-se: Guia de Profissões e Mercado de Trabalho, publicado em 2000 com o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Atuou durante 17 anos como arte-educadora desde a pré-escola até o ensino médio, em diversas escolas públicas (Secretaria Municipal de Educação, 1983-1994) e particulares (Colégio St. Patrick’s, Colégio Andrews, Colégio Cidade) do Rio de Janeiro.