Por Rochele de Quadros Loguercio
publicada na Revista Em Formação – Volume 2, 2007
Rochele de Quadros Loguercio é professora Pós-doutora em Filosofia pela UCM e Dra. em Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul onde desenvolve pesquisas em educação, particularmente evidenciando as temáticas do Currículo, Legitimação dos Saberes e Práticas Docentes, numa perspectiva filosófica e epistemológica. Atualmente é orientadora no Programa de Pós Graduação em Educação e Ensino de Ciências da UFRGS.
Um dos movimentos importantes decorrentes da analise discursiva em educação inspirada em Michel Foucault e a possibilidade de investigar a escola como lugar de produção de saberes e poderes. A presença das pesquisas de Michel Foucault pode ser sentida na educação, particularmente na educação brasileira em ciências, nas duas ultimas décadas. Suas ideias são estarrecedoras e desestabilizadoras de grande parte das utopias prováveis que temos experimentado na busca de alternativas sociais e políticas, fundamentadas na ideia das possibilidades da escola como formadora.
Ainda que dificilmente digeríveis, as ideias de Foucault possuem uma forca e uma lógica persuasiva que mesmo os mais avessos pesquisadores tem dificuldades para manterem-se alheios. Uma dessas questões e a analise da escola como lugar onde diferentes culturas se encontram e onde identidades são construidas por redes discursivas que perpassam esse ambiente. A subjetividade, ate então trabalhada como fator desconcertante, passa a ser o centro das problematizações escolares. A linguística, os estudos culturais e os estudos da ciência ressignificam os focos de interesse na pesquisa educacional dando visibilidade a questões de identidades, gênero, etnias, exclusão, sexualidade, ética.
Penso ser importante problematizar a constituição da imagem e das identidades dos professores. E parte do discurso de senso comum a importância dos professores, e todos, de uma forma ou de outra, tem uma opinião a respeito. A imagem do professor no cinema contribui para a construção de identidades docentes e, segundo Dalton (1996), numa perspectiva hollywoodiana, aparece fortemente a política da formação de outsider – os “bons professores” são agentes de mudanças e heroicas figuras solitárias que se debatem num cenário de anarquia e caos escolar. Em filmes com essa abordagem, o sistema escolar e admitido como um sistema estabelecido e, portanto, imutável. Assim, apenas um professor outsider pode fazer diferença. Desta forma, constitui-se um discurso de um professor amado e salvador, investindo na intimidade dos alunos e cumprindo o seu papel como organizador de uma sociedade problemática que se reflete na escola e na vida diária de seus alunos.
Os professores na escola “desejam” ser o professor hollywoodiano e continuam suas praticas escolares com uma culpa que não lhes pertence, pois o professor de Hollywood, como coloca Dalton, deve sensibilizar o publico em geral, mas manter o status quo.
Outras discursividades sobre as identidades do professor também são narradas, como destaca Hessel, nos livros infantis, nas políticas publicas, nos discursos vocacionais dos séculos passados. Há uma reatualização do discurso da vocação e da profissão como uma pratica de doar-se que identifica o professor como alguém que vive a escola, descolado de outros lugares pelos quais transita e dissociado da discussão sobre a escola de que se esta falando, sem considerar o currículo e o sistema escolar como espaços de constituição dos sujeitos desta escola.
É preciso pensar nas identidades como sendo produzidas em redes discursivas. E que e possível escolher os discursos que nos constituem como docentes, desde que possamos reconhece-los. Por ora, e necessário pensar como esse professor esta sendo subjetivado e identificado e a importância de conhecer estas narrativas. No dizer de Costa, a forma como a identidade do magistério tem sido relatada, narrada, interpela as próprias professoras (e professores) numa dinâmica em que resistir ou acolher significa participar do jogo constitutivo das identidades. Quem joga segue regras e é por elas coordenado, não há outra possibilidade. Quem tem o poder de narrar, de dizer como as coisas são, fabrica as coisas. E nesse sentido que conhecer e um ato de governo, governo sobre a narrativa de si mesmo e dos discursos pelos quais se permite interpelar.
Isso não significa que outras perspectivas, como as sócio-críticas, não tenham dado visibilidade a essa temática. As identidades são, no entanto, olhadas de uma maneira diferente nas pesquisas que privilegiam a questão do diferente e das relações de poder que perpassam e constituem os sujeitos da escola.
Referências
LOGUERCIO, R.; DEL PINO, J. C. Os Discursos Produtores das Identidades Docentes. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 1, 2003
HESSEL, R. “Ela ensina com amor e carinho, mas toda enfezada, danada da vida”: representações da professora na literatura infantil. Educação e Realidade. v.22, n.2, ago/dez, 1997.
DALTON, Mary. O currículo de Hollywood: Quem é o “bom” professor, quem é a “boa” professora? Educação e Realidade. v.21, n.1, Jan/Jul, 1996. ps. 97-122
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